terça-feira, 13 de março de 2012

Quem Eles Dizem Que Eu Sou? Os Historiadores e Jesus Parte 4.2 Novas Metodologias (Dalle Allison)





Dalle C Allison Jr, se graduou na Wichitta State University (Kansas, EUA), e obteve seu PhD na Duke University (Durham, Carolina do Norte). Atualmente é o Errett M. Grable Professor de Novo Testamento e Cristianismo Primitivo do Seminário Teológico de Pittsburg, sendo sua área de especialização é judaismo do segundo templo, escatologia do cristianismo primitivo, o evangelho de Mateus, a fonte de ditos Q e o Jesus Histórico. Allison é membro de uma igreja presbiteriana em, Glenshaw, Pensilvania.



O trabalho de Allison tem causado grande repercussão entre os estudiosos do cristianismo primitivo, ao questionar os métodos tradicionais utilizados para elaborar a biografia do Jesus Histórico, principalmente os critérios de historicidade, e como defensor ferrenho do Jesus histórico como profeta apocalíptico, que o coloca em rota de colisão com os estudiosos ligados ao Jesus Seminar, como John Dominic Crossan.



Em seu mais recente livro "Constructing Jesus: Memory, Imagination and History" (2011), Allison questiona a abordagem fundamental de muitos estudiosos que, com base em critérios como o da dissimilaridade, identificam ditos e feitos provavelmente autênticos de Jesus, e partir disso tentam construir uma biografia. Uma prévia do livro (em inglês), foi disponibilizada por ocasião do lançamento pela Baker Academics.


Alisson argumenta que, se os evangelhos tem como base a tradição oral, e assumindo que essa tradição transmitiu memória histórica, seria interessante começar com estudos sobre memória e tradição oral, e entender como memórias são transmitidas em primeiro lugar. So então, comparando a forma como memória é transmitida e comparando com os textos que possuímos é que podemos concluir se, e até que ponto, os evangelhos e outras fontes cristãs primitivas transmitem memória histórica, e em quais elementos mais provavelmente ela se encontra.




We all know from introspection that our long-term memories, which are “constantly evolving generalizations,” tend to retain “whole events, whole faces, whole conversations, not the sub-plots, the features, the words that make them up.” As our recollections become increasingly tattered and faded, they are disposed to retain, if anything, only the substance or “gist” of an event. We may forget the words and syntax of a sentence yet still remember its general substance or meaning. We construct memories of people and events in the same way we reproduce maps from our heads: we omit most of the details, straighten the lines, and round off the angles, thereby creating a sort of minimalist cartoon.
(tradução) No fundo, todos sabemos que nossas memórias de longo prazo, são "generalizações em constante evolução", que tendem a reter " a impressão geral dos eventos, rostos, conversas, e não os detalhes, as características, as palavras que o compõem." Como nossas lembranças tornam-se cada vez mais surradas e desbotadas, eles conservam, se alguma coisa, apenas a substância, ou pontos essênciais de um evento. Podemos esquecer as palavras e sintaxe de uma frase mas nos lembraremos de sua substancia ou significado geral. Nós elaboramos memórias de pessoas e eventos da mesma maneira que reproduzimos mapas de nossas cabeças: omitimos a maioria dos detalhes, endireitamos as linhas, e arredondamos os ângulos, criando assim uma espécie de caricatura minimalista.[1]

Allison advoga que, a partir dos estudos sobre a memória, e pela própria experiência cotidiana, a uma tendência humana de manter por longo tempo a imagem do todo, mesmo que perdendo os detalhes. A maioria das pessoas se lembra da data de sua formatura, casamento, nascimento de filhos, morte de entes queridos de forma marcante, por décadas a fio. Sentem esses momentos de forma vívida, e as impressões gerais são conservadas. No entanto, os detalhes se perdem.



Who has not more than once thought, “I can’t recall the exact words, but they were something like this”? As one researcher has put it, “Verbatim/perceptual traces fade more quickly than ‘gistified’ traces.” It is the same with the images in our heads. We may recollect visiting the Parthenon, but unlesswe are that rare, one-in-a-billion individual with a photographic memory,we will not be able to close our eyes and count the number of its columns. Similarly, those who have been robbed will not forget being robbed; yet, as thecritical study of criminal lineups has demonstrated, this circumstance does notensure that witnesses will correctly remember what the robber looked like (tradução) Quem nunca se perguntou: "Eu não consigo me lembrar das alavras exatas, mas era algo parecido com isso"? Como um pesquisador colocou, "lembranças verbatim / perceptivas desaparecem mais rapidamente do que os eventos e traços essenciais."O mesmo acontece com as imagens em nossas mente. Podemos lembrar de uma visita ao Parthenon, mas a menos que sejamos uma da aquelas uma-em-um-bilhão de pessoas com memória fotográfica, não seremos capazes de fechar os olhos e contar o número de sua columns. Da mesma forma, aqueles que são roubados não vão esquecer do que lhes foi subtraido, no entanto, como os estudos crítico de line ups penal tem demonstrado, esta circunstância não garante que as testemunhas lembrarão corretamente da aparência do ladrão. [1]


Podemos citar alguns exemplos O torcedor de um time de futebol é capaz de lembrar do dia, do ano, da escalação, e do jogo em que seu time foi campeão, embora certamente não se lembrará da maioria dos detalhes da partida. A maior parte do conteúdo de discursos e sermões é facilmente esquecida, contudo a impressão gerada com grandes oradores e algumas frases marcantes são geralmente conservadas. Podemos citar alguns exemplos da história recente do Brasil, para um período de tempo comparável, em nossa perspectiva, ao Jesus histórico e os evangelhos.


"Não é o candidato que vai percorrer o País. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anti-Constituição" (Ulysses Guimarães, 1973) [2]



"Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar", (Humberto Castelo Branco, 1965) [2]


"Senhor Presidente, há uma versão histórica; há, pelo menos, uma tradição legendária que declara que, no momento em que a maior justiça se encontrou com a maior injustiça e no dia em que o erro supremo se defrontou com a suprema verdade, nesse dia o juiz, o interessado na justiça, o representante de poder estatal, que era Pôncio Pilatos, em face da perturbadora fúria, em face do transviamento das multidões arrebatadas, esquecendo-se dos deveres morais que incumbiam a sua pessoa e dos misteres políticos que incumbiam a seu cargo, respondeu, a uma advertência, com estas palavras melancólicas: "Mas, o que é a verdade?" (Afonso Arinos, 1954). [2]


Assim, como nas frases em negrito dos discursos acima é relativamente comum relembrar frases soltas de líderes famosos, e até coleciona-las; no entanto, o contexto e a exata situação em que foram pronunciadas se perde frequentemente, e, nos casos acima, para esmagadora maioria das pessoas, somente a consulta a um livro de discursos, perdido em uma estante em canto escondido de uma biblioteca de primeira linha poderia esclarecer o contexto e exatas circunstâncias em que foram pronunciados (isso, é claro, antes do advento do Google Books). E qual o impacto dessa constatação para os estudos do Jesus Histórico e dos evangelhos?





Given that memory is “fuzzy,” that we remember the outlines of an event or the general import of a conversation better than the details, that we extract patterns and meaning from informational input, it would be peculiar to imagine that, although their general impressions of Jesus were hopelessly skewed, Christian tradents somehow managed to recall with some accuracy, let us say, two or three of his similitudes or parables and a handful of oneliners. (...) (tradução) Dado que a memória é "difusa", lembrando os contornos de um evento, ou o conteúdo geral de uma conversa, melhor do que os detalhes, que podemos extrair padrões e significados a partir do "input" de informações, seria peculiar imaginar que, embora as suas impressões gerais de Jesus estejam irremediavelmente distorcidas, os cristãos portadores da tradição, de alguma forma, conseguiram recordar, com alguma precisão, digamos, dois ou três de suas similitudes ou parábolas e um punhado de máximas e aforismos. [3]

Então, Allison vai construindo sua reinvidicação de que os elementos gerais, as impressões gerais, a "Big Picture", os padrões recorrentes que se observam na tradição, são os nossos melhores guiais para o Jesus Histórico. Ele vai além:




All this is why fictions may convey facts; an accurate impression can take any number of forms. Even a work as full of make-believe as the Alexander Romance sometimes catches the character of the historical Alexander of Macedon. Similarly, tales about an absent minded professor may be apocryphal and yet spot-on because they capture the teacher’s personality. The letter can be false, the spirit true. One student of human memory has justifiably asserted that “the gospels are more likely to be deeply true than superficially exact".
(tradução) tudo isso é porque a ficção pode transmitir fatos, uma imagem precisa pode ser expressa em um diferente número de formas. Mesmo um trabalho tão cheio de faz-de-conta como os romances de Alexandre, transmitem, por vezes, a realidade do Alexandre da Macedônia histórico. Da mesma forma, os contos sobre um professor distraído pode ser apocrífos e precisos, porque eles de fato capturam a personalidade do professor. A letra pode ser falsa, o espírito, verdadeiro. Um estudante da memória humana tem justificadamente afirmado que "os evangelhos são mais propensos a serem profundamente verdadeiros do que superficialmente exatos"[3]



Dalle Allison pondera que mesmo elementos fictícios de uma narrativa podem nos trazer alguma luz sobre fatos históricos. Ele cita os romances de Alexandre o Grande, elaborados a partir do III século, como exemplo de obras fictícias, mas que trazem, em alguns momentos, elementos que refletem a realidade do Alexandre, o Grande histórico.


O ponto que Allison enfatiza aqui é que mesmo o material fabricado ou falsificado pode nos permitir um vislumbre dos elementos autênticos.


A frase mais famosa atribuida a Maria Antonieta "Se não têm pão, que comam brioches", é apócrifa, segundo seus biografos, e somente foi associada a Rainha da França várias décadas após sua morte [4]. No entanto, o motivo pelo qual a frase "colou" a Rainha, se deve a sua imagem popular, desde os tempos da revolução francesa, de extravagante, frívola, esbanjadora, insensivel aos sofrimentos do povo e as finanças enfraquecidas da França, a Madame Déficit [4]. Ainda que essa caracterização seja em grande parte exagerada, e a frase inautentica, ela reflete a memória dos contemporâneos da Rainha, e permite um vislumbre, mesmo que distorcido, de sua personalidade [4].



Se, nas fontes cristãs primitivas (canônicas e apócrifas) nós temos ditos e eventos que foram fabricados ou alterados, temos que ter em mente que um falsificador busca atender certos interesses (sociais, financeiros,....) ao criar novos elementos ou textos. Mas o material fabricado deve ser apto de convencer como autêntico quem vai recebe-lo. Assim, o falsificador terá que utilizar cuidadosamente os conceitos do que as pessoas consideram autêntico e valioso. Paradoxalmente, quanto melhor é uma falsificação, mas ela nos informa sobre o que era considerado verdade, verossimilar, para um determinado grupo, no período em que a fraude foi produzida [4].

Você encontrará por aí relatos de notas falsificadas de Dolár, Euro, Libra e Real. Será bem mais difícil encontrar uma nota falsificada de uma moeda que não existe, ou em um valor que não existe (uma nota de R$ 35, por exemplo). Também existem diplomas falsificados de engenharia, direito ou medicina de faculdades renomadas. Mas é improvável que alguém produza um diploma de um curso universitário que não existe, de uma faculdade que ninguém ouviu falar. A existência de textos forjados em nome de Paulo já na segunda metade do séc II (como Atos de Paulo, 3 Corintios, ou Apocalipse de Paulo) já evidencia fortemente que as pessoas acreditavam não só que houve um lider cristão chamado Paulo cem anos antes, mas que era suficientemente influente para que falsários usassem o nome para dar credibilidade a seus próprios ensinos.

Assim, um pesquisador do ano 2600 DC, que quissesse pesquisar como eram as notas de R$ 10 no ano de 2000, mesmo que em sua época não existisse nenhuma dessas notas comprovadamente autênticas, poderia obter algumas impressões e ter noções gerais de como se pareciam se tivesse a sua disposição diversos lotes de notas falsificadas desse valor e período. Embora ele saiba que essas notas são falsas, ele sabe também que foram falsificadas com o objetivo de serem aceitas como verdadeiras. Assim, conservam certamente características que imitam as originais. Suas conclusões poderiam ser fortalecidas comparando com características de outras notas autênticas, de outros valores e períodos, que ele tivesse a sua disposição. Assim, se o hipotético pesquisador do futuro tiver a sua disposição um lote suficientemente grande e diversificado de notas falsificadas de R$ 10 do ano 2000, com algumas notas autênticas de outros valores, é possivel que ele consiga reconstruir como uma nota de R$ 10 se parecia, comparando as caracteristicas recorrentes nas falsificações diversificadas, com os elementos comuns das notas comprovadamente verdadeiras de outros valores e período semelhantes.


Um exemplo de um julgamento semelhante na pesquisa histórica são as cartas atribuidas a Apolônio de Tiana, uma coleção com cerca de 100 cartas, dentre as quais, o consenso entre os estudiosos é que grande parte são falsificações grosseiras posteriores, e sobre as demais não há consenso sobre se existem, e quais seriam, as cartas autênticas, uma vez que não há outros escritos de Apolônio de autenticidade comprovada, para que seja feitas comparações estílisticas [5] . No entanto, como observa o Professor Jona Lendering [6]:




The Letters of Apollonius are fabrications, but they serve to corroborate the tradition that the man from Tyana was a magician. Besides, the fact that someone decided to compose these letters in order to create a Greek, anti-Roman hero proves that Apollonius was by then a well-known figure. (Tradução) As cartas de Apolônio são falsificações, mas são úteis para corroborar a tradição que o homem de Tiana era um mágico. Além disso, o fato de alguém decidiu escrever estas cartas com objetivo de criar um héroi grego anti-romano prova que Apolonio era então uma figura bem conhecida. [6]


O caso de Apolônio é ainda mais interessante porque a sua principal fonte, uma biografia escrita por Flávio Filostrato, no início do século III, afirma ter usado como fonte principal um livro de memórias de um discípulo de Apolonio, chamado Damis. No entanto, como já vimos, o consenso acadêmico é de que, ou Filostrato inventou as memórias de Damis, ou, na melhor das hipóteses ele utilizou uma obra de um falsificador anterior [7]. No entanto, também nas memórias de Damis, Apolônio é frequentemente retratado como mágico e uma figura bem conhecida e requisitada nos círculos influentes [8]. Ainda, Luciano de Samosata (120-190 DC), em cerca de 180 DC, ao escrever sobre de Alexandre de Abonoteichus (105 - 170 DC), criador do culto ao deus Glicon, que Luciano considerava um charlatão, que na sua juventude teria sido discípulo de um mágico, seguidor da escola de Apolônio de Tiana (Alexandre o Falso Profeta, 5:31). Cassio Dio, em 230 DC, de uma forma um tanto zombeteira, diz que Apolônio de Tiana, fazendo um discurso em Éfeso, teve uma premonição no exato momento em que o Imperador Domiciano era morto (Historia Romana, 67.18.1), episódio que Filostrato também narra (Vida de Apolônio 8:26, baseado em uma tradição corrente em Éfeso). Dio também nos diz que o Imperador Caracala (211-217 DC) - filho de Julia Dona, "patrocinadora" de Filostrato - tinha atração por magia e construiu um santuário para o grande mágico Apolônio, em Tiana (Historia Romana 78.18.4).



Ou seja, a coleção das Cartas de Apolônio e o Diário de Damis são provavelmente falsificações, Luciano e Cassio Dio tenham escrito 80 a 130 anos, respectivamente após a morte de Apôlonio (e suas menções sejam breves, e possam refletir apenas o conhecimento comum sobre o filósofo em suas respectivas épocas), implicando que, isoladamente, seu valor como testemunho histórico é limitado. No entanto, a percepção de Apolônio como mágico e recorrentemente encontrada em cada uma dessas fontes, nos dando confiança de que essa faceta é provavelmente factual (uma vez também que é elemento constragedor que Filostrato tenta várias vezes, sem sucesso, explicar).



If general impressions are typically more trustworthy than details, then it makes little sense to reconstruct Jesus by starting with a few of the latter—perhaps some incidents and sayings that survive the gauntlet of our authenticating criteria—while setting aside the general impressions that our primary sources instill in us. The larger the generalization and the more data upon which it is based, the greater our confidence. The more specific the detail and the fewer the supporting data, the greater our uncertainty. We should, after reading Thucydides, be assured that there was indeed a PeloponnesianWar, even if we may well wonder about many of the details in his account. If, however, we were to doubt that there was a Peloponnesian War, how could we not be dubious of all the details?
(tradução) Se a impressão geral é tipicamente mais confiável que os detalhes, então faz pouco sentido tentar reconstruir Jesus tendo esses mesmos detalhes como ponto de partida—talvez alguns incidentes e ditos que sobrevivam ao gauntlet de nossos critérios de autenticidade— deixando de lado a impressão geral que nossas fontes nos transmitem. Quanto maior é a generalização e mais dados sobre qual esta se baseia, maior nossa confiança. Quanto mais especificos os detalhes, e menor a quantidade de dados que lhe dão base, maior deve ser nossa incerteza. Nos devemos, ao ler Tucidíades estar mais certos que houve uma Guerra do Peloponeso, mesmo quando nos questionamos sobre muitos elementos particulares de seu relato. No entanto, se, formos duvidar que houve uma Guerra do Peloponeso, como não iremos duvidar de todos os seus particulares?[8
]

Assim, Allison propõe principalmente uma mudança de foco. Tradicionalnente os estudiosos tem identificado os ditos e feitos de Jesus provavelmente autênticos dos provavelmente inautênticos, e construído um esboço do Jesus histórico com base nesses resultados. A nova proposta é, identificar os elementos recorrentes na tradição, e avaliar sua plausibilidade e verossemelhança, e só a partir dai, e de forma cautelosa, fazer julgamentos sobre pericopes individuais.




There is, happily, another path. The first-century traditions about Jesus are not an amorphous mess. On the contrary, certain themes, motifs, and rhetorical strategies recur again and again throughout the primary sources; and it must be in those themes and motifs and rhetorical strategies—which, taken together, leave some distinct impressions—if it is anywhere, that we will find memory. In this, Jesus is like the historical Socrates, who is often thought present notin this or that aphorism but above all in some of the philosophical interests and rhetorical strategies that recur in Plato’s early dialogues.
(Tradução) Há, felizmente, um outro caminho. As tradições do primeiro século sobre Jesus não são uma confusão amorfa. Pelo contrário, certos temas, motivos e estratégias retóricas recorrer novamente e novamente nas fontes primárias, e são nesses motivos e estratégias retóricas, que, em conjunto, deixam algumas impressões distintas, será, se em qualquer lugar, que vamos encontrar memória. Neste ponto, Jesus é como o Sócrates histórico, o qual geralmente acredita estar presente não neste ou naquele aforismo, mas, acima de tudo, em algumas das estratégias retóricas e interesses filosóficos que se repetem nos primeiros diálogos de Platão. [8]



Allison continua:



I am not, I should emphatically add, urging that all the stories in the Gospels must be unhistorical (I am far from being so skeptical) or that our sources fail to preserve some aphorisms of Jesus (again, my doubt is scarcely that large).That is, I am not, a priori, deciding how much history is or is not in the Gospels(which, in any event, is unfeasible, given how often my mind shifts on the issue). Rather, I am making a point about method, about how we may proceed, andcontending that the historian should heed before all else the general impressions that our primary sources produce. We should trust first, if we are to trust at all,what is most likely to be trustworthy. This requires that we begin, although we need not end, by asking, “What are our general impressions?” (tradução) Não estou, devo adicionar enfaticamente, insistindo em que todas as histórias dos Evangelhos deve ser ahistóricas (eu estou longe de ser tão cético) ou que as fontes não preservaram alguns aforismos de Jesus (mais uma vez, minhas dúvidas não são desse tamanho) . Ou seja, eu não estou, a priori, decidindo quanto do história eu encontro, ou não, nos Evangelhos (que, em qualquer caso, é inviável, dada a freqüência com a minha mente se desloca sobre o assunto). Pelo contrário, eu estou fazendo um ponto sobre método, sobre como podemos proceder, e argumentando que o historiador deve prestar atenção, antes de tudo, nas impressões gerais que as nossas fontes primárias produzem. Devemos confiar em primeiro lugar, se formos confiar em algo, naquilo que é mais provável que seja confiável. Isso exige que começamos, embora não seja o fim do caminho, perguntando: "Quais são as nossas impressões gerais?"[8]


E continua a defender sua proposta de se preferir o geral ao específico.





Modern medical experiments supply an analogy to my approach. Even a perfectly devised double-blind, randomized trial counts for little if taken by itself. What matters is replication. And for highly controverted issues, what finally matters is meta-analysis, the evaluation of a large, bundled number of individual studies, including those with possible design flaws. The tendency of the whole is what instills conviction, not any one trial or single piece of evidence. Why should it be any different with research about Jesus? We should,at least initially, be looking at macrosamples. We are rightly more confident about the generalities than about the particulars. We are more sure that Jesus was a healer than that any account of him healing reflects a historical event, more sure that he was a prophet than that any one prophetic oracle goes back to him. When the evangelists generalize, in their editorial comments, that Jesus went about teaching and casting out demons, these are, notwithstanding the redactional agendas, the most reliable statements of all.
(tradução) os modernos experimentos médicos fornecer uma analogia com a minha abordagem. Até um um experimento perfeitamente projetado, "double-blinded", aleatório é insuficiente, se tomadas por si só. O que importa é a replicação. E para questões altamente controvertidas, o que finalmente importa é meta-análise, a avaliação de um número grande de estudos individuais, incluindo aqueles com possíveis falhas de projeto. A tendência do todo é o que infunde convicção, não um julgamento ou evidencia isolada. Por que seria diferente com a pesquisa sobre Jesus? Devemos, pelo menos inicialmente, a olhar para questão macro. Estamos mais confiantes justamente nas generalidades do que sobre qualquer uma das particularidades. Nós temos mais confiança de que Jesus era um curandeiro, do que de qualquer relato isolado de cura realizado por ele reflita um evento histórico, mais certeza de que ele era um profeta do que sobre qualquer oráculo profético atribuido a ele. Quando os evangelistas generalizar, em seus comentários editoriais, que Jesus ensinava e expulsava os demônios, estes são, não obstante as agendas redacional, as declarações mais confiáveis de todas. [8]

Acima Allison tocou num ponto fundamental da pesquisa de Jesus. De modo geral, os fatos considerados como (quase) certos a respeito de Jesus envolvem, em sua maioria, generalidades. De fato, embora haja um consenso de que Jesus foi um exorcista, a avaliação de historicidade das narrativas individuais de exorcismo dos evangelhos é bem mais controversa.


A Professora Morna Hooker, da Universidade de Cambridge, escreveu, ainda nos anos de 1970 [9], uma consistente crítica que apontava as limitações dos critérios de historicidade, principalmente o de dupla dissimilaridade, então o "queridnho" dos estudiosos. Recentemente, Morna escreveu o prefácio do livro "Jesus, Criteria, and Demise of Authenticity" que reune a contribuição de vários estudiosos associados a uma conferência que será realizada em outubro deste ano, na Lincoln Christian University (Illinois, EUA). Professora Hooker chega a conclusões muito parecidas com as de Dalle Alisson:





If we concentrate on the whole rather than the details, however, we shall find that we know quite a lot about Jesus, even though we may not be able to reconstruct with certainty any of his sayings or actions. It is clear, for example, that he spoke with impressive authority, even though there is considerable doubt about the exact form of all the stories demonstrating that fact. It is beyond question, also, that he taught in parables, however difficult it may be to reconstruct them, or to be certain about their original meaning. Few scholars, if any, have doubted that the centre of his teaching was the Kingdom of God – though what he might have meant by that phraseis again a matter of dispute. He also performed various miracles, even though we may disagree about precisely what happened or how. Again, while various stories and sayings may or may not be “accurate,” it is clear that he befriended those on the outskirts of society and that he offended the religious and political leaders. It seems clear, too, that he called men to be his disciples – though whether or not there were in the inner circle is not so certain – and that he demanded – and inspired –remarkable devotion on their part. It is indisputable that he was put to death by the Roman authorities – though to what extent the Jewish authorities were involved is far from clear – and that his followers came to believe that he had been raised from the dead, though how and where they came to that conviction it is now impossible to say. This conviction about the resurrection may perhaps provide a good model forthe way in which we should proceed. The details of the resurrection story differ from one account to another, and the more we ask “What exactly happened?” the more perplexed we shall be. But that the disciples came to believe that Jesus had been raised from the dead is indisputable. Perhaps, then, we shall find the “real” Jesus, not by seeking for the “historical,” but – as some are now arguing – in looking at the“memory” that he left. [9] (Tradução) Se nos concentrarmos no todo e não nos detalhes, no entanto, veremos que nós sabemos muito sobre Jesus, embora não sejamos capazes de reconstruir com certeza qualquer de suas frases ou ações. É claro, por exemplo, que ele falava com autoridade impressionante, mesmo que não haja dúvidas consideráveis sobre o forma exata de todas as histórias que demonstram esse fato. É indiscutível, também, que ele ensinou em parábolas, por mais difícil que seja para reconstruí-las, ou para ser certainabout seu significado original. Poucos estudiosos, se houver, ter duvidado que o centro de seu ensinamento era o Reino de Deus - embora o que ele poderia ter significado por que phraseis novamente uma questão de disputa. Ele também realizou vários milagres, ainda que possamos discordar sobre precisamente o que aconteceu ou como. Mais uma vez, enquanto várias histórias e provérbios podem ou não ser "preciso", é claro que ele fez amizade com aqueles nas margens da sociedade e que ele ofendeu os líderes religiosos e políticos. Parece claro, também, que ele chamou alguns homens para serem seus discípulos - que se houve ou não um círculo mais intimo não é tão certo - e que ele exigiu - e inspirou-notável devoção da sua parte. É indiscutível que ele foi condenado à morte pelas autoridades romanas - mas até que ponto as autoridades judaicas estavam envolvidos está longe de ser claro - e que seus seguidores passaram a acreditar que ele havia sido ressuscitado dos mortos, embora como e de onde vieram a convicção de que agora é impossível dizer. Essa convicção sobre a ressurreição talvez nos forneça um bom modelo no qual se deve proceder. Os detalhes da história da ressurreição diferem de uma conta para outra, e quanto mais perguntar "O que aconteceu exatamente?" mais perplexos nos tornamos. Mas que os discípulos passaram a acreditar que Jesus tinha ressuscitado dos mortos é indiscutível. Talvez, então, vamos encontrar o "verdadeiro" Jesus, não por buscar o "histórico", mas - como alguns estão agora discutindo - em olhar para a "memória" que ele deixou [9]

Allison chama a sua proposta de atestação recorrente.





Scholars commonly have conducted business as though all this were true. They have, for example, rarely disputed that Jesus taught about the kingdom of God, despite the failure of that theme to pass the criterion of double dissimilarity. The reason must be that ἡ βασιλεία τοῦ θεοῦ is so frequentlyattested. This is a question not of multiple attestation—a particular saying or event being independently attested in two or more sources—but rather of what one might call “recurrent attestation,” by which I mean that a topic or motif or type of story reappears again and again throughout the tradition" (tradução) Estudiosos geralmente têm conduzido seu trabalho como se tudo isso fosse verdade. Por exemplo, raramente contestam que Jesus ensinou sobre o reino de Deus, apesar do fracasso desse tema para passar a critério da dupla dissimilaridade. A razão é que ἡ βασιλεία τοῦ θεοῦ é tão frequentemente atestado. Esta é uma questão não de multipla atestação, um dito ou evento particular que está sendo independentemente atestado em duas ou mais fontes, mas, antes, o que poderia se chamar de "atestação recorrente," por que eu quero dizer que motivo ou tópica ou tipo de história reaparece de novo e de novo em toda a tradição.


No que se refere aos critérios em si, a "atestação recorrente" é basicamente uma modificação do critério da multipla atestação, passando a não mais considerar como requisito indispensável a independência das tradições. De fato, Allisson não rejeita completamente os critérios tradicionais, e concede a possibilidade de sua utilização, reconhecendo casos de historicidade quase certa, como o ensino sobre o divórcio (encontrado em Paulo, Q e Marcos) , o qual a possibilidade de invenção pela Igreja Primitiva era pouco provável (critério da diferença e múltipla atestação) [11]. No entanto, ele entende que casos seguros de historicidade (ou ahistoricidade) de eventos isolados são extremamente limitados [11].



Concluindo, entendo que Dalle Allison nos apresenta, principalmente, uma proposta de mudança de foco. Segundo ele, a tradição evangélica deve ser analisada de forma global, identificando os elementos recorrentes, analisando sua plausibilidade e verossimlhança, traçando um esboço dos traços da figura de Jesus, e só então, partir para os incidentes e ditos relatados nas fontes. É um rompimento com o "approach" de boa parte da academia de analisar os evangelhos com os critérios de historicidade, separar autentico do supostamente inautêntico, e traçar o retrato com bases nesses "fatos" identificados.



Referências Bibliograficas

[1] Dalle Allison (2011) Constructing Jesus, History, Memory, and Imagination, fl. 10-11

[2] Ulysses Guimarães Discurso na Convenção do Movimento Democratico Brasileiro (MDB) de 23.09.1973, em que foi nomeado candidato a presidente, tendo Barbosa Lima Sobrinho como companheiro de chapa. ver "No regime militar, Ulysses foi anticandidato em antieleição", Estado de S. Paulo, 30.10.2010; Humberto de Alencar Castelo Branco "Discursos‎", Volume I, 1965; Afonso Arinos, lider da minoria (UDN-MG), Discurso no plenário da Câmara dos Deputados, 09.08.1954, depois do atentado contra o Carlos Lacerda que vitimou o Major Aviador Rubens Florentino Vaz, e que envolvia o chefe da guarda pessoal do Presidente Vargas, Gregorio Fortunato. Quinze dias depois desse contundente discurso Getulio Vargas se suicidou; ver Grandes Momentos do Parlamento Brasileiro - Pronunciamentos em Ordem Cronológica, Volume 1, http://www.senado.gov.br/senado/grandesMomentos/pron1.shtm#2_Afonso

[3] Dalle Allison (2011) Constructing Jesus, History, Memory, and Imagination, fl. 13

[4] Sobre a frase infame ver Evelyne Lever (2000) Maria Antonieta, Ultima Rainha da França, fl. 361. Sobre a imagem e personalidade da Rainha (e do Rei Luis XVI), Eric Hobsbawn é extremamente severo "Só sonhadores irrealistas suporiam que Luis XVI pudesse ter aceito a derrota e imediatamente se transformado em monarca constitucional, mesmo que ele tivesse sido um homem menos desprezível e estupido do que era, casado com uma mulher menos irresponsável e com menos miolos de galinha" em Eric J Hobsbawm(1996), A Revolução Francesa, fl. 24. Antonia Fraser discorda, e afirma que ao invés de desprezar os pobres famintos, Maria, como filantropa, teria mais provavelmente dado de seus bolos para alimentar o povo (Antonia Fraser, 2001: Marie Antoinette, The Journey, Authornote, xx) . Lever, entre gregos e troianos, afirma que Maria Antonia era realmente frívola, mas sentimental (Maria Antonieta, Ultima ..., fl. 344).

[5] ver Robert J. Penella (1979) The letters of Apollonius of Tyana: a critical text with prolegomena, translation and commentary, fls 24-25 e 28. Maria Dzielska (1986), Apollonius of Tyana in legend and history, fl. 190. As cartas e as demais fontes sob Apolonio foram discutidas aqui no Adcummulus anteriormente.

[6] Jona Lendering, Apollonius of Tyana, Parte 3: "Apollonius' Letters", disponivel online www.livius.org/ap-ark/apollonius/apollonius03.html#Apollonius%27%20letters, acessado em 09.03.2012

[7] ver Maria Dzielska (1986), Apollonius of Tyana in legend and history, fls. 19, 185, 190-191; Ewen Lyall Bowie (1978), Apollonius of Tyana, Tradition and Reality, in ANRW, 2.16.2, fls. 1685-1686; John Ferguson (1970) Religions of Roman Empire, fl. 182; Jan Jaap Flinterman, Sumário de Politiek, Paideia & Pythagorisme (1993), disponível em http://www.xs4all.nl/~flinterm/Power-Paideia-Pythagoreanism.html, acessado em 09.03.2012

[8] Dalle Allison (2011) Constructing Jesus, History, Memory, and Imagination, fl. 14-16

[9] Morna Hooker (2012), Foreword In Jesus, Criteria, and the Demise of Authenticity (2012), editado por Chris Keith and Anthony LeDonne, fls. 3-4

[10] Dalle Allison (2011) Constructing Jesus, History, Memory, and Imagination, fl. 19

[11] Dalle Allison (2011) Constructing Jesus, History, Memory, and Imagination, fl. 21-22

3 comentários:

Informadordeopiniao disse...

Parabéns novamente Nehemias! Souba captar maravilhosamente o trabalho do Alison. Só fico meio jururu pq eu estava começando a escrever algo no sentido, rsrs. Eu tava tentando elaborar um diálogo desse livro dele, com os do James Dunn "Jesus Remembered" e "A New Perspective On Jesus: What The Quest For The Historical Jesus Missed”, cujo fruto tem sido minha atual visão sobre o assunto.

Mas brincadeira à parte, só Deus sabe o quanto você tem contribuido para esse campo aqui no Brasil através do blog, chefe! Abração!

Nehemias disse...

Valeu Rodrigo. Obrigado.

Mas eu não abordei nem 15 % do livro do Allison... Mesmo a parte da defesa do Jesus apocaliptico ficou de fora. Acho que tem condição de fazer não só um mais vários diálogos, com o Dunn, Crossan, entre outros.

O próximo da minha lista é o Maurice Casey. Tô lendo e tenho que parar para escrever.

No mais, tudo beleza?

Abs,
Nehemias

informadordeopiniao disse...

Chefe Nehemias,

vai ser muito oportuna sua apresentação do Casey. Porque é importantíssimo para frisar que a pesquisa histórica de Jesus e as origens cristãs é extramamente válida e necessária também para os campos dos estudos humanísticos, e para a compreensão dos caminhos e descaminhos da cultura nos últimos 2000 anos. Extremamente necessário, porque no Brasil o que predomina é polêmica e despejamento de preconceitos de cunho pró-religioso e antirreligioso.

Abração

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